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O que está pode e deve mudar

4 maio

Viver é muito mais difícil que fazer teatro. A vida, apesar de cheia de representações, não tem marca, luz, cortina fechada. No palco, eu sei o que fazer. Acredito que quem está lá comigo também sabe, mas nas relações humanas tudo é um jogo muito mais complexo de tentativa e erro. A roda gira é sua vez de agir ou esperar. Na vida real somos submetid@s à vontade alheia sem texto pré-decorado.

Particularmente, eu nunca fui muito boa em improvisação mas gosto bastante de viver e me relacionar. Como escritora, corro o risco de me prender muito mais ao pensar as relações humanas do que ao vivê-las em sua potência máxima. Isso só me aparece de tempos em tempos e fico grata quando consigo me dar essa possibilidade de tentar viver plenamente.

Vivenciar todas as relações de forma cristalizada hoje me parece um erro terrível. Não podemos ficar estátic@s perante as mudanças que nos são impostas, nem nos acovardar perante as que nos propomos fazer. É certo que não estamos preparad@s para tudo, entretanto é necessário estarmos mais dispost@s a entrar e sair dos ciclos.

“Como foi seu dia?”, às vezes me perguntam. Nem eu sei ao certo dizer, apenas o vivi e cheguei ao seu fim sem saber se amanhã terei outro.

A vida está angustiante e cada vez mais frenética. São tantos os desafios apresentados que, aparentemente, sobra pouco tempo pra pensar e respirar. Precisamos enfrentar nossos medos e inseguranças para lidar e refletir para além da nossa vida pessoal. O individualismo que nos empurram goela abaixo nos faz esquecer das parcerias que devíamos nutrir, das dificuldades dos nossos trabalhos (quando os temos), das lutas que deveríamos empenhar, da forma como a sociedade está funcionando.

1ª greve geral brasileira foi iniciada por mulheres em 1917

Cada vez mais tenho certeza que a engrenagem está desencaixada e que alguém está sendo mais e mais massacrad@ pelos seus dentes, sufocad@ pela nossa omissão. Os que estão no poder permanecem montando nas nossas costas. Uma parte sente o peso e outra parte não. “Mas tudo bem”, esqueço rapidamente do outro quando entro em meu carro, fecho o vidro e chego em casa, na minha vidinha miúda e sem crítica.

Algo está muito errado em como nos relacionamos com o mundo e nem sequer percebemos mais o que. É preciso mudar. Somos oprimid@s e reproduzimos a opressão, transformamos toda nossa vida em relações de poder e nos permitimos sermos ferid@s por “instituições e entidades maiores”, pois “assim é”. Ficamos fragmentad@s e sozinh@s quando deveríamos dar as mãos e nos unir.

Nada é! Tudo está!

Uma peça teatral só funciona quando a equipe inteira trabalha junto. Talvez a vida deva de fato imitar a arte para que reste alguma possibilidade de caminhada.

“Somos todos iguais, braços dados ou não”.

Junt@s resistimos. Quando descobriremos isso?

A farda que mata

1 maio

Em que momento nos perdemos na chance da mudança? Quando deveríamos ter dito “pare” e não o fizemos? Quando deixamos de nos enxergar n@ outr@? Nos desumanizamos tanto assim que fomos capazes de esquecer quem somos por trás da armadura da violência e do poder?

Me pergunto até onde pode chegar a opressão. Qual é o ponto limite entre perder para sempre a nossa alma permitindo a cegueira que, ao atirar n@ outr@, acertamos a nós mesm@s?

A bala de borracha nos atinge por inteiro. A fumaça que intoxica, o estouro que nos ensurdece sai de nossas mãos para nosso próprio corpo.

Não há escudos para aquel@s que atiram as bombas. Elas destroem o que nos une. Quando a farda representa a morte d@ outr@, representa também a morte de quem a usa, pois é a blindagem que barra a própria humanidade.

A farda também mata aquel@ que a veste.

Foto: Mídia Ninja

Sobre a reforma da previdência

15 mar
Eu trabalho com teatro há muitos anos. Aproximadamente 16. Comecei quando ainda era adolescente e sempre tive um lugar pra chamar de “meu trabalho”. Óbvio que, numa sociedade em que tentam te empurrar concursos públicos em nome da estabilidade financeira, escolher trabalhar com teatro não foi exatamente bem aceito por muitas pessoas da minha família, professor@s, colegas de escola e até de faculdade (cursei 2 anos de Moda antes de cursar Artes Cênicas).
Nesses 16 anos eu trabalhei muito. E quando eu digo muito, é muito mesmo. As pessoas desconhecem quanto tempo se investe em estudo, pesquisa, produção e criação. Quantas horas duram os ensaios, as apresentações, a montagem e a desmontagem da luz, cenário, som, lavagem de figurinos, maquiagem… É realmente muito cansativo e como é pouco valorizado, a gente ganha bem pouco na maioria dos trabalhos. Então precisamos de muitos para tentar pagar todas as contas, talvez guardar uns 20 reais na poupança e tomar uma cerveja com @s amig@s. Trabalhar com teatro foi uma escolha e eu não sei se vocês sabem, mas artista não tem carteira assinada pra isso. Contribuir com a previdência é uma escolha que pouc@s fazemos, até porque não sobra dinheiro para tal, exceto raras exceções (como grandes musicais, emissoras de TV).
Eu e uma infinidade de outr@s artistas provavelmente não vamos nos aposentar. A arte não é bem algo que a gente se desliga quando acha que já trabalhou muito. Particularmente, não consigo me imaginar não criando algo, seja uma dramaturgia, um texto pra internet, uma dança ou uma peça. Eu me imagino sendo artista para sempre, pois eu posso ser artista para sempre. Eu posso usar minha ferramenta de trabalho (meu corpo, minha mente, minha escrita) de inúmeras formas enquanto viver.
Dito isso, muitas pessoas podem afirmar “então a reforma da previdência pouco importa pra você”. Talvez ela realmente não me afete diretamente. Mas ela afeta meu pai, minha mãe, minha irmã, meu cunhado, minhas amizades, minha vizinhança, meu bairro, minha cidade… Ou seja, ela afeta todo o país. Como que eu, pessoa artista, posso não me importar com ela? Como eu permitiria me excluir de uma sociedade que trata as pessoas à minha volta como objetos dispensáveis que não necessitarão de cuidados no futuro? Que não terão as mesmas condições que eu de continuar produzindo para se sustentar? Isso imaginando um futuro em que a arte consiga pagar as minhas contas, o que já bem improvável considerando o desmonte que vem acontecendo em nosso país.
A previdência deveria ser a garantia de que as pessoas são respeitadas por seus anos de trabalho. Numa sociedade onde o trabalho é colocado como representante de quem se é, o mínimo que deveria acontecer é que exista um amparo do Estado para aquel@s que o servem. Que o sustentam.
A reforma proposta neste governo ilegítimo, golpista, corrupto é execrável! E sim, afeta a tod@s nós! Diga não a esse ataque. Diga não à continuação da exploração. Diga não à reforma da previdência. 
FORA TEMER! APOSENTADORA FICA!

Como você pensa a sua cidade?

29 set

Época de eleição sempre me faz [re]pensar o que faço pela minha cidade ou pelo meu país. Desde 2002 tenho me interessado cada vez mais sobre a política nacional. Tudo começou com uma professora de geopolítica daquelas bem apaixonadas pelo tema. Todo mundo já teve uma pessoa assim na vida. Alguém que, de tão apaixonad@, desperta a mesma paixão em outras pessoas.

Eu tinha 17 anos quando Lula finalmente foi eleito presidente. Era semana da viagem de formatura e lembro de ficar bem preocupada com o que isso significaria para o Brasil. Desde então, muito do que eu entendia por política amadureceu com a idade, com as minhas escolhas e ideais para o mundo que eu queria ver acontecer. Entrar na universidade pública fez toda a diferença. Sou mulher de classe média e sempre estudei em colégios particulares ouvindo coisas como “se você não se comportar bem ou tirar notas ruins, vou te colocar na escola pública”. Eu tinha medo do público. Ele era um castigo e não parte da minha vida. Hoje, aos 31 anos, a esfera pública tomou outra dimensão. Pra mim ela é objetivo e não castigo, é onde eu quero estar.

Desde que me entendi uma pessoa de esquerda, tenho tentado aliar meus ideais às minhas ações e elas passam invariavelmente pela eleição. Me pego pensando em como atuar neste campo através do meu voto e das minhas palavras. Tenho tentado ser coerente com o feminismo e a representatividade em tudo que escrevo e penso. Para tal, seria óbvio que, nesta eleição municipal, eu votasse numa mulher que tenha a mesma coerência que eu procuro obter um dia. Mas a situação política que vivemos não está facilitando essa minha posição.

Refletir sobre o que é bom para a minha cidade me fez ter mais dúvidas do que convicções, questionamentos sobre como me posicionar para que a cidade seja respeitada em suas conquistas e necessidades. É preciso deixar de lado meus interesses privados para que essas necessidades da cidade sejam atendidas.

Analisando o risco que corremos se candidatos como Doria, Russomanno ou Marta assumirem a cidade, é preciso votar com estratégia. E talvez isso signifique votar não com o coração, mas com possibilidades. Ter de escolher entre Erundina e Haddad me deixa ao mesmo tempo feliz e angustiada. É preciso pensar na minha cidade independente de mim, mas com a minha participação. Permitir que projetos sociais consistentes sejam jogados no lixo não é algo que estou disposta a fazer, e aquelas três pessoas o farão. Disso não tenho dúvidas. E ainda assim me pergunto: faço do meu voto uma posição da coerência que busco? Abro mão da representatividade feminista [mesmo que não totalmente] ou ajudo uma força grupal a continuar um trabalho tão intenso de transformação de São Paulo? Honestamente, ainda não tenho uma resposta para isso. Sei que meu voto é só um, mas é a minha voz desejando o melhor para minha cidade.

Já é batido dizer que temos de votar com consciência, mas neste momento que estamos, isso se faz mais urgente do que nunca. Estamos definindo qual a prioridade coletiva da cidade e isso afetará tod@s, contudo, afetará ainda mais @s que não são de classe média ou alta e é nessas pessoas que temos de pensar. Sei que ambas as propostas de Erundina e Haddad se alinham mais com a transformação social que desejo. E sei também que Doria, Russomanno e Marta estão totalmente afastados da coerência social e política que São Paulo precisa.

Como pensamos e agimos nossa cidade? Como faremos? Com quem faremos? Confesso que ainda não encontrei a resposta. Certamente a terei até domingo e espero que tod@s consigam uma que faça sentido ao ideal que temos de uma boa cidade para se viver. Os tempos são difíceis e estamos tod@s à flor da pele. Que isso não nos impeça de votar com sabedoria.

E só para concluir, hoje e sempre, FORA TEMER!

Uma mulher contra o golpe

19 abr

Daí teve o primeiro golpe. Chame como quiser. É um país livre (é? bom, por enquanto parece). Eu vou chamar de golpe. Passada a votação, estava eu largada na cama tentando dormir e uma coisa não me saía da cabeça: como as mulheres escreveriam essa parte da história. Bem, aqui estou eu respondendo à minha própria pergunta e fazendo a minha parte. Não quero fazer um texto sobre mulheres na política ou mulheres que escrevem sobre isso… Eu só quero escrever e deixar um pouco desse nojo sair.

Das poucas deputadas que temos, todas foram assediadas de uma ou outra forma. Teve gritos de “linda” (ó… que bonitinho da parte deles… ahan), teve vaia pra licença maternidade (oi? sim! teve!), teve mulher se exaltando e sendo chamada de forte (mas todo mundo viu seu sorrisinho nojento, tá?), teve mulher guerreira sendo chamada de histérica (nenhuma novidade. qualquer mulher que ouse levantar a voz pra se defender é “a louca do rolê”) e teve a mulher que sofreu o golpe. Golpe bem baixo. Bem sujo. Uma daquelas coisas que a gente espera não ver de novo.

A gente foi pra rua. Pediu. Implorou. Conversou. Gritou. Mas não teve jeito. Quando se quer o poder, não importa em que você vai pisar. E pisar numa mulher ainda é mais fácil. Sempre tem um monte de homem pra ajudar. Já homem denunciado é pra botar no alto! “Salvador! Cunha herói!”…
Façam-me o favor…

Mulheres contra o golpe - 05/04/2016

Mulheres contra o golpe – 05/04/2016

Teve gente mandando beijo, abraço, louvando, roubando, repetindo, repetindo, repetindo… Mas o que não me desceu de jeito nenhum foi a porcaria do cartazinho escrito “tchau, querida!”… Aquilo me deixou do avesso. Queria pegar aquele cartazinho e fazer cada deputadozinho o engolir todo picadinho. Pedacinho por pedacinho. Ai teve o absurdo e o meu sangue ferveu.

Como é que em pleno 2016 chega um sujeito e acha que exaltar torturador é legal? E pior! Ainda é permitido! Ninguém fala nada! Ninguém processa o homem! Tá lá, livre, cínico e feliz sendo deputado! Dedicar o voto a um ser que enfiou ratos em vaginas de mulheres vivas e conscientes e não acontece nada?! RATOS EM VAGINAS!!! É de vomitar. Pra dizer o mínimo. Por que você não fala logo a verdade, você e seus comparsas? Falem logo que é porque é mulher! Falem!

Pausa pra respiração.

Daí teve o momento “fazer a limpeza no facebook”. E teve um primo defendendo o sujeito Bolsonazi me comparando a estuprador. Sim, teve. Pra dizer o que eu acho bem sinceramente, ele é burro. Simples assim. Porque quem não sabe que gay, lésbica e bissexual não é igual a estuprador, é burro. Tchau. Terminamos. Não te amo mais. E nem doeu. E teve aquele amigo antigo que já tinha se transformado na própria sombra. Não é surpresa ele apoiar Bolsonazi. Mas é lembrar que ele dormiu na mesma cama que eu. Ele dividiu comigo sorrisos, lágrimas e intimidades. Sim, dividiu. E ele… bem… ele doeu. Dor. Sentimento de golpe.

Tem uma coisa que descobri quando a gente briga com amig@s… Às vezes a gente não gosta del@s e ainda assim gosta. Confuso. Difícil. Real. Então, pra entender isso, criei uma expressão um tempo atrás e ela diz assim: te amo pra sempre, mas te odeio agora.

Acho que é isso que aconteceu de ontem pra hoje. O “te odeio agora” fez meu sangue subir e querer quebrar tudo. São pessoas dizendo barbaridades. Não seres inventados, monstros fictícios. Não! São pessoas desejando a morte, o horror, a tortura. São pessoas passando por cima de pessoas. Pessoas fingindo que são honestas e boa parte acredita. E então, o golpe. Nada disso é novidade, mas pela deusa… Tá de foder.

Eu não vou fazer uma análise histórica do golpe. Vou aqui falar como sempre falo, sentindo. Eu te odeio agora. Odeio você que levantou o cartaz “tchau, querida!”, você que louvou torturador, você que curte o Bolsonazi, você que disse que ia votar contra e votou a favor, você que acha que mulher não deve estar na política, que o problema é a presidenta ser mulher, você que é cego o suficiente pra achar que a corrupção é invenção do PT e que antes estava melhor, você que gritou “Dilma, filha da puta”. Eu não sei se consigo te amar de novo. Porque isso que você fez foi baixo. Foi sujo. Foi nojento. Foi machista.

Mas eu sou mais forte que você. Mais forte que o seu ódio. Mais forte que o meu ódio, porque ele vai passar. Ele não vai me alimentar como alimentou você. Eu sou mulher, escrevendo sobre o golpe, sou guerreira e vou gritar, vou lutar, vou responder, vou protestar. Somos muitas e você não vai nos derrubar.

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